Como costuma dizer o ministro do STF Marco Aurélio, “vivemos tempos estranhos”. Depois do tumultuado impeachment de Dilma Rousseff, o governo em xeque de Michel Temer, sob polêmicas diárias, ainda não conseguiu colocar o Brasil nos eixos.
No dia em que o País se encontrava obnubilado por uma tragédia aérea sem precedentes, o Congresso Nacional, com o seu refinado senso de oportunidade, resolveu tocar duas votações extremamente polêmicas: a da PEC 55, que congela os gastos públicos, pelo Senado Federal; e a das desfiguradas “10 Medidas Contra a Corrupção”, pela Câmara dos Deputados.
Dentre as modificações do pacote de medidas, enxertou-se a previsão de responsabilização criminal de juízes e promotores que exercerem atividade político-partidária, participarem de sociedade empresarial e julgarem ou emitirem parecer se quando estiverem impedidos ou suspeitos.
A força-tarefa da Operação Lava Jato, tachando-a de “Lei da Intimidação” e tremulando a bandeira da Justiça, alardeou a seguinte chantagem infantil: “os procuradores da Força Tarefa estão de acordo que não será possível continuar trabalhando na Lava Jato se a Lei da Intimidação for aprovada”. Trata-se de uma incursão perniciosa no campo político.
Convenhamos.
Precisamos de um Ministério Público forte, mas não imune; independente, mas não incontrolável. Não serão meras alterações legislativas como essas que terão o condão de incapacitar juízes e promotores. Se cometerem abusos, que sejam, sim, responsabilizados. Afinal, todos nós temos duas características indissociáveis, somos finitos e especialmente falíveis.
“Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro; quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você”, já escreveu Nietzsche.
Assim, se os procuradores desejam atuar no campo político, utilizando-se dos mesmos expedientes de pressões e blefes, que aguentem as consequências e sustentem suas posições até o fim. De todo modo, tais condutas não contribuirão com o fortalecimento do combate à corrupção; ao contrário, apenas revelarão os interesses particulares de quem se arvora na condição de paladino de moralidade e de latifundiário da verdade.
Fonte: O Povo
Leandro Vasques
leandrovasques@leandrovasques.com.br
Mestre em Direito pela UFPE, professor da Pós-Graduação em Processo Penal da Unifor e conselheiro da Escola Nacional da Advocacia (ENA)